FABRÍCIO CARPINEJAR - UMA BELEZA DE ESCRITOR
Inédito de Fabrício Carpinejar*
Na infância, queria me repetir. Jogar futebol todas as tardes. Içar pipa todos os sábados. Salvar passarinho de arapuca todos os domingos. Diferente dos adultos, a criança ama a rotina. Bastava sol lá fora e o resto se resolvia. Eu me divertia com bobagens. Por exemplo, ao olhar um duelo de um gato com uma lesma. O gato confunde a lesma com sua língua e não entende como ela fugiu de sua boca.
Na escola, não sabia o momento de parar de colorir. Mangueirava a cor no papel como se fosse um jardim. O trabalho dos colegas terminava e continuava riscando. Só acabava quando quebrava a ponta do lápis.
Desenhava árvore sem chão e a professora ficava assustada. Tentava me interpretar quando eu interpretava a árvore. Não havia como explicar que uma árvore sem chão tem terra dentro do tronco. Não contava com o amor da professora, mas com seu susto, o que era um começo. Quando se assustava, se mantinha perto de mim. Cheiro doce de cabelos molhados. Passei a falhar no desenho para prender a atenção dela. Eliminava os galhos, as frutas, as folhas da árvore de propósito para ela se preocupar comigo. Desejei rodar na 1ª série para repetir a professora.
* Fabrício Carpinejar é poeta, autor de "Como no céu/Livro de Visitas" (Bertrand Brasil) e "Porto Alegre e o dia em que a cidade fugiu de casa" (Alaúde). O conto acima é do livro infantil inédito "Filhote-de-Cruz-Credo"
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